SUBLINHADOS PARA TI

com a esperança da cor Verde, o que eu sublinhei enquanto dormias...

quinta-feira, março 17, 2011

Cansada e feliz

Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa, como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já não está lá?

As pessoas têm de morrer, os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece?

Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tente esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas!

É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou de coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso primeiro aceitar.

É preciso aceitar esta mágoa, esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados, se tivessem apenas o peso que têm em si: isto é, se os livrássemos da carga que lhe damos, aceitando que não tem solução. Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença do que se padeceu. Muitas vezes só existe a agulha.

Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.

O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembrança, na esperança de ele se cansar.

Porque é que é sempre nos momentos em que estamos mais cansados ou mais felizes que sentimos mais a falta das pessoas de quem amamos? O cansaço faz-nos precisar delas. Quando estamos assim, mais ninguém consegue tomar conta de nós. O cansaço é uma coisa que só o amor compreende. A minha mãe. O meu amor. E a felicidade faz-nos sentir pena e culpa de não a podermos partilhar. É por estarmos de uma forma ou de outra sozinhos que a saudade é maior.

Mas o mais difícil de aceitar é que há lembranças e amores que necessitam do afastamento para poderem continuar. Afonso Lopes Vieira dizia que Portugal estava mal, que era preciso exilar-se para poder continuar a amar a Pátria dele. Deixar de vê-la para ter vontade de a ver. Ás vezes a presença do objecto amado provoca a interrupção do amor. E a complicação, o curto-circuito, o entaralamento, a contradição que está ali presente, ali, na cara do coração, impedindo-o de continuar.

As pessoas nunca deveriam morrer, nem deixarem de se amar, nem separar-se, nem esquecer-se, mas morrem e deixam e separam-se e esquecem-se. Custa aceitar que os mais velhos, que nos deram vida, tenham de dar a vida para poderem continuar vivos dentro de nós. Mas é preciso aceitar. É preciso aceitar. É preciso sofrer, dar urros, murros na mesa, não perceber. E aceitar. Se as pessoas amadas fossem imortais perderíamos o coração. Perderíamos a religiosidade, a paciência, a humanidade até.

Há uma presença interior, uma continuação em nós de quem desapareceu, que se ressente do confronto com a presença exterior. É por isso que nunca se deve voltar a um sítio onde se tenha sido feliz. Todas as cidades se tornam realmente feias, fisicamente piores, à medida que se enraízam e alindam na memória que guardamos delas no coração. Regressar é fazer mal ao que se guardou.

Uma saudade cuida-se. Nos casos mais tristes separa-se da pessoa que a causou. Continuar com ela, ou apenas vê-la pode desfazer e destruir a beleza do sentimento, as pessoas que se amam mas não se dão bem, só conseguem amar-se bem quando não se dão. Mas como esquecer? Como deixar acabar aquela dor? É preciso paciência. É preciso sofrer. É preciso aguentar.

Há grandeza no sofrimento. Sofrer é respeitar o tamanho que teve um amor. No meio do remoinho de erros que nos revolve as entranhas de raiva, do ressentimento, do rancor _ temos de encontrar a raiz daquela paixão, a razão original daquele amor.

As pessoas morrem, magoam-se, separam-se, fazem os maiores disparates com a maior das facilidades. Para esquecê-las é preciso chorá-las primeiro. Esta é uma verdade tão antiga que espanta reparar em como ainda temos esperanças de contorná-la. Nos uivos das mulheres nas praias da Nazaré não há “histeria” nem “ignorância” nem “fingimento”. Há a verdade que nós, os modernos, os tranquilizados, os cools, os cobardes, os armados em livres e independentes, os tanto-me-fazes, os anestesiados, temos medo de enfrentar.

Para esquecer uma pessoa não há vias rápidas, não há suplentes, não há calmantes, ilhas das Caraíbas, livros de poesia- só há lembrança, dor e lentidão, com uns breves intervalos pelo meio para retomar fôlego. Esta dor tem de ser aguentada e bem sofrida com paciência e fortaleza. Ir a correr para debaixo das saias de quem for é uma reacção natural, mas não serve de nada e faz pouco de nós próprios. A mágoa é um estado natural. Tem o seu tempo e o seu estilo. Tem até uma estranha beleza. Nós somos feitos para aguentar com ela.

Podemos arranjar as maneiras que quisermos de odiar quem amamos, de nos vingarmos delas, de nos pormos a milhas, de lhe pormos os cornos, de lhe compormos redondilhas, mas tudo isso não tem mal. Nem faz bem nenhum. Tudo isso conta como lembrança, tudo isso conta como uma saudade contrariada, enraivecida, embaraçada por Ter sido apanhada na via pública, como um bicho preto e feio, um parasita de coração, uma peste inexterminável barata esperneante: uma saudade de pernas para o ar.

O que é preciso é igualar a intensidade do amor a quem se ama e a quem se perdeu. Para esquecer é preciso dar algo em troca. Os grandes esquecimentos saem sempre caros. É preciso dar algo em troca. Os grandes esquecimentos saem sempre caros. É preciso dar tempo, dar dor, dar com a cabeça na parede, dar sangue, dar um pedacinho de carne (eu quero do lombo, mesmo por cima da tua anca de menina, se faz favor).

E mesmo assim, mesmo magoado, mesmo sofrendo, mesmo conseguindo guardar na alma o que os braços já não conseguem agarrar, mesmo esperando, mesmo aguentando como um homem, mesmo passando os dias vestida de preto, aos soluços, dobrada sobre a areia de Nazaré, mesmo com muita paciência e muita má vontade, mesmo assim é possível que não se consiga esquecer nem um bocadinho.

Quanto mais fácil amar e lembrar alguém – uma mãe, um filho, um grande amor – mais fácil deixar de ama-lo e esquece-lo.

Raio de sorte, ó lindeza, miséria suprema do amor. Pode esquecer-se quem nos vem à lembrança, aqueles de quem nos lembramos de vez em quando, com dor ou alegria, tanto faz, com tempo e paciência, aqueles que amamos com paciência, aqueles que amamos sinceramente, que partiram, que nos deixaram, vazios de mãos e cheios de saudades, esses doem-se e depois esquecem-se mais ou menos bem.

E quando alguém está sempre presente?

Quando é tarde. Quando já não se aguenta mais. Quando já é tarde para voltar atrás, percebe-se que há esquecimentos tão caros que nunca se podem pagar.

Como é que se pode esquecer o que só se consegue lembrar?

Aí está o sofrimento maior de todos. O luto verdadeiro.

Aí está a maior das felicidades.



Miguel Esteves Cardoso

domingo, fevereiro 27, 2011

Que tenho o coraçao preto


Dizes tu, e inda te alegras


Eu bem sei que o tenho preto:


Está preto de nódoas negras



Fernando Pessoa

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

A Voz

Apesar de estar tão zangada consigo não resisto a escrever-lhe.Ontem, como sabe, foi quarta-feira e durante todo o dia esperei ouvir a sua voz porque precisava mesmo de ouvir a sua voz (não é de falar consigo, é de ouvir a sua voz)... e tive de desistir. Mas do que eu não posso desistir é de si. Se quiser eu digo-lhe porquê. Se não quiser eu não lhe digo nada. Se quiser, eu fico calada...Mas quero que saiba que acordo todos os dias a pensar em si, ou melhor e mais exactamente a olhar para si, e adormeço todas as noites a pensar em si, ou melhor a olhar fixamente para si, e por mais que me tente distrair e fazer outras coisas - mas eu não quero distrair-me e fazer outras coisas - volto a pensar irremediavelmente em si. Disto não tenho culpa porque não há nada que possa fazer senão pedir-lhe desculpa de ser assim. Mas não lhe peço desculpa nenhuma. Você é que me devia pedir desculpa de me tornar tão doce o mundo quando ouço a sua voz, que eu não quero outra coisa senão ouvir a sua voz.Fique, meu querido, com o que quiser de mim.

Pedro Paixão in Vida de Adulto

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

Sem Sublinhar

Sabes, eu penso que não sabes. Depois é mais ou menos isto. Não te quero dar o tempo sem saberes que te dou. De estar aqui enquanto podia estar ali. Mais ocupada. Como se não me ocupasses. Tu. O dia inteiro.

Vem de repente. Antes quando me falavas vinha de repente. Agora também só por me teres falado. Sempre a tua voz. Dois minutos. Dois minutos e muito mais. O tempo que demoro a pensar porque razão não me queres. Ver. Preferes ficar para aí sem pensar. O que podíamos ser. Ou ser sem sentires que para ser tens que sentir.

Como se não soubesses que os filmes que assistes no cinema são os mesmo que listo nos favoritos. A sépia nas minhas fotografias já não se usa mas nunca mais conseguiste ver alguém. Assim. Dessa maneira.

Não te dói lembrar. Não me faças lembrar do que eu compreendo que não sabes ou finges não querer saber.

Que as minhas mãos continuam iguais às tuas e que sou aquilo que sempre quiseste que fosses. Quando sorris na inconsciência do suspiro a seguir.

domingo, fevereiro 20, 2011

Never mind, I will (never) find someone like you

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

Um breve regresso

Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa nenhuma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...

Saint Exupery

sábado, fevereiro 12, 2011

da relação

Quero que me oiças sem me julgares
Quero que me dês a tua opinião sem me aconselhares
Quero que confies em mim sem me exigires
Quero que me ajudes sem tentares decidir por mim
Quero que cuides de mim sem me anulares
Quero que olhes por mim sem projectares as tuas coisas em mim
Quero que me abraces sem me asfixiares
Quero que me animes sem me empurrares
Quero que me apoies sem te encarregares de mim
Quero que me protejas sem mentiras
Quero que te aproximes sem me invadires
Quero que conheças as coisas que mais te desagradam em mim, que as aceites e não pretendas mudá-las
Quero que saibas que hoje podes contar comigo... Sem condições.


Jorge Bucay